Cobrar de você “taxas ambientais” é o novo jeitinho de arrecadar

Com desculpa bonita, prefeituras inventaram um novo jeito de arrecadar impostos. Será que o dinheiro é revertido ao meio-ambiente?
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Recentemente estive em Noronha e me deparei com algo bastante inusitado, ao chegar você irá passar por uma abordagem como se estivesse em um posto migratório de outro país que verificará seu bilhete aéreo de retorno + o número de noites de reserva do hotel.  Tudo é verificado com muito rigor para te cobrarem a TPA (Taxa de Preservação Ambiental) referente ao período que ficará hospedado. O valor é de R$ 101,33 (dia) e é cobrado no ato de sua aterrissagem.

Tudo ok, “passaporte carimbado”, já instalado no hotel, decidi sair para conhecer a ilha, ao fazer uma caminhada, me deparei com muito lixo espalhado pelas matas ao redor; moradores locais (nascidos na ilha) vivendo de forma precária e muito entulho de resto de construções jogados, de forma improvisada pelos próprios moradores, em ruas íngremes de terra, para evitar que pessoas escorreguem na lama em dias de chuva.

A ilha conta apenas com uma pequena rodovia de 7 km e tem o asfalto igual a colcha de retalhos, remendos enormes ocupam toda extensão da estrada. Eis então que me veio uma pergunta, como uma ilha que é frequentada por um público abastado e que arrecada tanto dinheiro com taxas diárias de turistas, possa estar vivendo com àquela precariedade vista pelos meus olhos?

Será que o dinheiro arrecadado com as “taxas ambientais” realmente é repassado para conservação ou será esta, apenas uma desculpa bonita e plausível, para arrecadar um pouco mais com impostos? Na minha concepção, com base no que meus olhos viram, a segunda alternativa é a mais convincente.

Nos últimos anos várias prefeituras de destinos com apelo natural passaram a cobrar taxas dos visitantes. Sob o selo da sustentabilidade (o que poucos vão contra), embutem sutilmente uma nova forma de cobrar imposto para aumentar a arrecadação dos cofres públicos.  Há casos legítimos em que a receita é aplicada em conservação, infraestrutura e fiscalização; mas também há sinais recorrentes de risco: falta de governança, pouca transparência e propostas para deslocar fatias para o caixa geral do município. Em outras palavras: nem sempre o dinheiro vai direto e integralmente para ações ambientais.

 

O que são essas “Taxas Ambientais” e como costumam ser criadas

No Brasil aparecem com nomes diferentes: TPA (Taxa de Preservação Ambiental) ou TCA (Taxa de Conservação Ambiental), tem, como o nome diz, finalidade ambiental, normalmente são instituídas por lei municipal (ou norma específica) e condicionam cobrança a não-residentes/veículos/diárias. Ex.: Bonito (TCA), Ubatuba (TPA), Ilhabela (TPA) e Fernando de Noronha (TPA no âmbito do arquipélago).   

Objetivos declarados (comum nas leis): custear conservação, limpeza, fiscalização ambiental, infraestrutura turística sustentável, educação ambiental, seguro/saúde do turista, e custeio do órgão gestor ou fundo ambiental municipal. Em muitos casos a lei já prevê que parte seja depositada num Fundo Municipal de Meio Ambiente ou gerida por um Conselho Gestor.   

 

Exemplos práticos no Brasil (casos relevantes)

1. Ubatuba (SP) – TPA em vigor; prefeitura divulga que os recursos são majoritariamente vinculados ao Fundo Municipal de Meio Ambiente e informou arrecadação (R$ 119.313.094,23 — até maio/2025 nos relatos oficiais). Recentemente a prefeitura protocolou projeto para aumentar a parcela que vai ao Tesouro Municipal de 30% para 50% (isso gerou polêmica sobre desvirtuamento do objetivo).   

2. Bonito (MS) –  Instituiu a Taxa de Turismo Sustentável (TTS) — também chamada em alguns documentos de Taxa de Conservação Ambiental (TCA). O valor é de aproximadamente R$ 7 por dia de permanência do visitante e os recursos são destinados ao Fundo Municipal de Turismo, administrado com participação do Conselho Municipal de Turismo (COMTUR), que inclui representantes da sociedade civil e do trade turístico. A arrecadação financia coleta e destinação de resíduos, manutenção de vias de acesso, programas de educação ambiental e investimentos em infraestrutura turística sustentável.

Bonito é frequentemente citado como um case de sucesso porque há transparência, fundo específico e governança compartilhada.

3. Fernando de Noronha (PE) – Cobra a Taxa de Preservação Ambiental (TPA) desde 1988, atualmente em torno de R$ 101,33  por visitante (dia – 2025). A arrecadação ultrapassa facilmente R$ 100 milhões anuais e em tese, deveria financiar fiscalização, conservação e gestão ambiental, porém, auditorias do Tribunal de Contas de Pernambuco e questionamentos do MPF, TCU e CTFC do Senado apontam falta de transparência e ausência de comprovação de que os valores estão de fato revertidos em ações ambientais. O problema mais visível é a gestão de resíduos sólidos: Noronha gera cerca de 20 toneladas de lixo por dia, mas enfrenta graves falhas na coleta e destinação, o que contradiz o objetivo declarado da taxa.

Enquanto o turista paga mais de R$ 100 por dia, a percepção local (tanto de moradores quanto de visitantes) é que a contrapartida não corresponde ao valor arrecadado. O discurso oficial é de que a taxa financia infraestrutura de conservação e fiscalização — mas a ausência de resultados visíveis (como a manutenção básica da limpeza) gera desconfiança de que parte da receita esteja sendo usada para outras despesas correntes do distrito.

4. Jericoacoara (CE) – A prefeitura de Jijoca cobra a taxa de turismo há alguns anos. Em 2023/2024, com a concessão do Parque Nacional de Jericoacoara, foi instituída também a cobrança de um ingresso pela concessionária. Ocorreu então cobrança cumulativa (prefeitura + concessionária), o que gerou protestos de moradores, comerciantes e turistas. A Justiça suspendeu a cobrança da concessionária por falhas no plano de manejo e na definição de isenções. Esse caso ficou marcado como um exemplo de falta de coordenação e de conflito entre instâncias de cobrança.

Recentemente, uma onda de municípios turísticos de grande apelo ambiental, vem recorrendo a Câmara de Vereadores para colocar em pauta a cobrança tais taxas, municípios como Campos do Jordão e Ilhabela estão nessa lista e provavelmente serão os próximos a cobrarem. Cobrar não é, por si só, errado: taxas ambientais podem (e em muitos casos o fazem) financiar preservação, fiscalização e infraestrutura — sobretudo quando há regras claras e prestação de contas, mas o risco é real: em lugares com baixa transparência ou governança fraca, a taxa vira mais uma fonte de receita que pode ser diluída no orçamento geral — daí a necessidade de exigir criação de fundo vinculado, relatórios periódicos e auditoria externa.  .

Por parte dos turistas que não aprovam, há também a alternativa do boicote.
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